quarta-feira, 10 de junho de 2009

un

no meio do sanduíche ainda no trabalho na hora do almoço
saltou a criatura:
não posso mais ser inventada por você. estou desexistindo.
não pegou suas coisas e saiu.
branca na rua cristalizada de gelo e carros, percebeu o sangue vibrando por dentro dos dedos, debaixo de unhas e anéis - - escarlate roxo e prata
sentiu a ida e a volta nas veias, olhou bem de perto por algum tempo e se impressionou com uma coisa que nunca tinha percebido. e que acontece todo o tempo
pediu uma bebida quente, mais fria que o ar em volta

uma vez ficou na dúvida
desconseguia não tremer
suava
prendia e reprendia as fivelinhas

eis a criatura, mergulhada em xícara de café, abraçada na colherinha:
sua dor passou, seu ódio se esqueceu, seus cabelos cortados por ela mesma cresceram,
e seus dentes bateram de pavor noturno
e temperatura baixa

porque era quase só um lugar entre a barriga e o peito
que ainda tinha calor nesse dia.

um nada muito
muito silencioso
de não saber
onde pôr as mãos

que são só as extremidades de todo o resto enorme embora pequeno
a saber onde enfiar
em dia extraordinário,
de descoraçonabilizamento

a criação desejou estar numa casa quente
pensou em voltar porque tinha uma pergunta a fazer
e depois saltar do teleférico em movimento
mas perguntar não ajeitaria
nem o estômago de ningém voltaria pro lugar,
nem faria mais calor que isso.

respirou bem forte o ar que existia

então o café terminou sua criatura,
que sentiu os dedos correndo pelo sangue,
e o sangue subiu as escadas de costas,
a escada soltou as fivelinhas,
as fivelinhas guardaram os óculos e
as lentes desconcentraram no trabalho da tarde.

Mas aí, mas. Mas aí que sensação é essa agora. De que tudo ao contrário.
De que fui eu que criei você

?

3 comentários:

  1. muito intrigante.
    fundi a cuca.
    releio.
    vou reler mais.
    não vou desistir!
    só vou desistir de publicar o comentário porque nunca acerto esta porcaria...
    Bruna

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  2. Putz! Adoro os prefixos! Descoraçonabilizamento??? Desfazer o processo de cicatrização coronária? Desestancou? O sangue ainda sangra! O pulso ainda pulsa? Não! É só invenção!
    Gabi

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