terça-feira, 2 de junho de 2009

Água Seca



Olhe seu moço, que eu juro que lhe digo, e digo por que digo, que é assim, pra modo de vós me entender: que eu me faço de fortidão.
Falo porque falo e tenho olhos do coração: me olhe e veja, que aqui por estas paragens, inté o roçado do Capelão, que nunca que vi tamanha estiagem; nunca passei tamanha precisão.
Inté estas mãos, calejadas de sofridão, cortaram a terra queimada, muito pra baixo do torrão, na busca de água escondida, que minha pele fez cicatriz de tanta poça morta batida.
Mas não me aporrinho, não, qual o quê? Mesmo que até as mãos nem pão tenham pra cortar, continuo meu vagar, campeando a caatinga na fome de água encontrar.
Mais de muitas madrugadas e cem braçadas fiz para procurar, o senhor vá pondo seu perceber, que nesta terra o castigo é o arder. O brazeiro é tanto que inté cobra e “escurrupião” faz desaparecer. E nós vivemos assim, de todo seco e de uma gota à mercê.
Entre um tomar de repouso e aguardo, logo saio eu talmente como faço, pra trazer água para minha mulher e três calanguinhos.
“Arreparre” num doutor que uma vez palavreou que nosso planeta é feito tudinho de água. Prosa tonta. Fiz de conta que não ligo dos homens que botei sismo. É de se lascar, que botaram este tal liquido bem longe deste lugar. Vi falar também dum colírio que se bota nos “óio” prá modo de bem enxergar. Mas este, nem o doutor há de receitar e dar pistas, pois que nós bebiamos tudo antes de curar as vistas.
Mire veja, nunca vi, que triste sonhar, e que aqui não há os tempos da água. Quando chuva há, ela é tosca, seca, que mais “ajudia” o sentimento que nosso pensamento se inclina pra heresia.
Pego logo duas cabaças de olho largo: sou nascido diferente. Fui ter com o pé de goiaba, que de longe eles vem contar; daí se “arretira” um galho feito “furquia”, se lambe e se anda com o graveto. Se põe a andar e conforme o retiro foi se “agrandando” meu coração apertando, na esperançca de ver o tal galho entortar, mostrando o canto da água morar.
Volto iludido, com a boca mais seca ainda; nem uma gota prá cuspir o pó da terra batida do cascalho da caatinga. O gado já se foi.
Olhe seu moço que eu lhe conto que pior morrer de fome, que a sede queima lá dentro do peito.
Duas madrugadas depois recolhi meus apetrechos: alforje de caçador e chapéu de gibeira.
Escolhi a retornança diferentemente: tomei o rumo da trincheira e saí com os dois balaios. Desci a ribanceira. Segui a marcha estradeira.
Os galhos do espinheiro não tiveram brincadeira. Sem dó me rasgavam, triscando o pouco de pele “desaprotegida”. Ficaram que nem peneira.
Eu meio sem vida, no entardecer, desolado, escapei pro lado e orei, o que a benzedeira já tinha me ensinado. Num tinha mais precisão de olhar. Ali água não havia de brotar. Tive mesmo de voltar.
Olhei pras crianças e me angustiei chorar.
Mas homem aqui não chora, pois seu moço, que nesta sequidão de tudo pode lhe faltar. Lágrima não há de ver nem no olho que se encerra. Para o bem, se uma gota ainda fizesse desabrochar, se de meu fole ainda tivesse saído, teria eu, com tudo eles, ela dividido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário