quarta-feira, 20 de maio de 2009

Vênus

Estou em meio ao mar.
O murmúrio das águas agitadas quebra o silêncio do oceano outrora ameno. Mar espumoso, agito frenético, convulsão...
Silêncio...
Beleza celeste nasce de espumoso ventre.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Já sonolenta,
Fechou o livro cheirando a pó,
Cerrou os olhos
Ainda sem pressa
Olhou para dentro
Desprezou Salomão e toda a sua glória
E ali, deitada, divagou:
Se fosse eu,
Teria escolhido os lírios
Como se fosse complicado
Escolher ser simples.

Andreza

FINALMENTE LIVRE

Manhã de sábado, são nove horas, o sol brilha num céu azul com radiosa luminosidade, o ar tem um frescor perfumado de terra molhada, mesclado de flores silvestres, pois o jardim da rica mansão paulistana, principia o seu desabrochar. É primavera!
Todos os serviçais da casa estão em alvoroço com os preparativos da grande recepção que acontecerá, logo mais, à noite.
Somente ela, a principal personagem da comemoração está triste e fechada em seus pensamentos. Com toda essa balbúrdia, não notam seu abatimento.
Mas o que acontece à linda e delicada jovem que se prepara para oficializar seu noivado, com o rapaz mais requisitado pelas famílias da sociedade, que tem filhas casadouras ?
Sozinha em seu quarto, ela chora até secarem suas lágrimas; mas como solucionar o problema? Não quer magoar seus pais, mas tão pouco quer unir-se a um homem que deixou de amar ao descobrir a vileza de seu caráter e que ninguém realmente imagina ser tão torpe? O que fazer?
Quantas vezes ela planejou conversar com seus pais, mas nunca teve coragem suficiente para desmascará-lo, foi fraca ela reconhece. Á tarde, sempre que ouve o som da campainha, seu coração estremece, sabe que ele, o monstro, está do outro lado da porta. Mas, bem dentro de seu coração, ela tem uma tênue esperança de que ele próprio desista do compromisso; porque depois de uma séria conversa que tiveram, pela primeira vez notou mudança no comportamento do rapaz, seu ar arrogante, cínico e debochado, não mais estava em seu rosto, talvez temesse ser desmascarado e dominou, como no inicio da relação, seu mau caráter, e .......
- Minha filha, desça, seu noivo está aqui e pede para falar com você!
Pobre menina, seu coração parece que vai saltar do peito quando ouve a voz de sua mãe que a chama. Levanta-se da poltrona onde está prostrada, passa um lenço pelos olhos, tenta disfarçar seu semblante nostálgico com maquilagem, escova os cabelos e sai, cabisbaixa do quarto, atendendo ao chamado.
Que esperança vã pensa, como tenho coragem de sonhar com um gesto de dignidade de tão torpe criatura?
Mas o grande monstro está lá, em sua casa, conversa com seus pais, o falso príncipe. Mas, tem ela coragem para desmascará-lo?
Lentamente aproxima-se do grupo e sem entender bem o que está acontecendo, senta-se ao lado de sua mãe que soluça baixinho, enquanto seu pai aproxima-se dela e com voz embargada pela dor que demonstra no olhar, diz-lhe carinhosamente que não mais haverá noivado, que está tudo acabado, que .....
A jovem, de um salto levanta-se, olha ao redor das salas enfeitadas e sorri, como há muito não o fazia e quase aos gritos exclama :
- Maravilha, já posso acordar e viver, o dinossauro já não estará mais aqui.


DOCARMO. / abril de 2007.

ERA UM SONHO

Hoje, exatamente hoje, está completando treze dias que este mal estar começou. Sempre que acordo, abro as janelas de meu apartamento, porém nunca esse ritual incomodou-me como agora , pois lá está ele : o grande dinossauro, meio de ébano e meio de marfim; olha-me, mostra-me seus dentes bem enfileirados e retorna a costumeira postura – sentado caprichosamente e com negligência repousa seu vigoroso corpo e lá fica até que outra vez eu abra as janelas para um outro angustiante dia.
Como estou aposentada, procuro manter um planejamento diário bem diversificado, tenho meus dias bem movimentados e sem rotinas: ocupo-me muito trabalhando na cozinha, minha tarefa predileta, gosto de ser elogiada com os tão famosos UH!!!! VOVÓ, QUE DELÍCIA e embora tenha uma excelente ajudante, mais companheira que serviçal, existem coisas que são feitas, exclusivamente, pela Dama da Casa, nessas tarefas eu dedico dois dias alternados da semana e os outros três dias úteis, são para meu deleite – meus cursos de Redação e de Jornalismo na USP e mais dois na Casa das Rosas – Escrevivendo e Estudo sobre obras de Machado de Assis ficando o final da semana para que eu compartilhe com meus filhos e netos.
Mesmo com toda a azáfama do meu dia a dia, meu cérebro não tem conseguido se desligar da persistente angustia causada por essa visão, que não sei dizer, com segurança, se é real ou apenas fruto de minha imaginação. Mas tenho certeza que me sinto muito desconfortada e inibida à comprovar sua legitimidade.
Mas hoje, exatamente hoje, décimo terceiro dia, acordo com o toque da campainha do interfone, o porteiro anuncia a presença de um vizinho desejoso em falar comigo. Pergunta-me se pode subir. Respondo que sim, porém peço que me aguarde por alguns minutos, uma vez que preciso preparar-me para receber o desconhecido visitante. Eu estava dormindo quando o interfone tocou. Rapidinho visto uma roupa caseira e sem maiores esmeros. Peço ao porteiro, pelo interfone, que o faça subir e como é de meu hábito, abro a porta e fico esperando.
Meu Deus, quem é que sai do elevador? O dinossauro de ébano e marfim. Sinto uma vertigem, tudo gira ao redor e lentamente com o mais lindo sorriso já visto por mim, aproxima-se e com voz firme mas envolvente, diz:
- O seu dinossauro, de ébano e marfim, está aqui.
Com um sobressalto de emoção e coberta de suor frio, acordo realmente, corro e olho pela janela, e para minha mais absoluta frustração, o dinossauro de ébano e marfim, não esta lá.


DOCARMO / Abril / 2007

SÓ LÍRIOS

Depois de uma tarde inteira de trabalho : enfeitando com flores do campo as mesas e conferindo as listas dos convidados, para certificar-se realmente do sucesso de seu objetivo, ou seja : grupo de mesas próximas aos amigos próximos, tendo assim uma distribuição perfeita e harmônica entre os convidados.
Mais uma vistoria, apaga as luzes e sai do salão de festas, fechando-o bem
Finalmente tudo pronto, é só esperar pelo amanhã.
A moça, aniversariante, toma um reconfortante banho e deitada na banheira, pensa:
Se tudo dependesse só de mim, eu enfeitaria apenas com lírios.


DOCARMO - MAIO DE 2009.

BLASÉ

(Ali, deitada, divagou: se fosse eu teria escolhido lírios)
Adorada, sim.
Roupas espalhadas pelo chão, estojo Tiffany numa mesinha de cabeceira; garrafa de champagne brut emborcada no balde de gelo; uma taça intacta num criado mudo e a segunda no chão, junto de um escarpin de seda molhada, numa poça espumosa sobre o carpete marfim
Ele, num ronco suave, deitado sobre um ombro, a mão sobre o mamilo dela, ainda rijo. E aquele mundaréu de rosas, dúzias e dúzias, em dezenas de vasos espalhados pelo quarto apagado.
Adorada, sim.
Seu corpo nu reage a um inesperado calafrio, narinas tremulas, bochechas ligeiramente infladas prontas a soprar o excesso daquele aroma invasivo, tingido de carmim.
No teto branco, única claridade visível, busca uma imagem de sua infância: flores brancas, pétalas recortadas desvendando pistilos amarelados, no altar da santa a quem, vez por outra, dedicava suas comunhões.

Bruna

Escolha

Eu pensei em ser lírio,
Mas pensei, pensei...
E por fim resolvi ser dinossauro.

Daniel

Delírios de Mim







A folha
comeu, deitou, dormiu.
No outono, acordou c
a
í
d
a.
Escolheu, sonâmbula, o chão mais perto, preciso.
Não chorou. A penas, se coou.
- Eu? Não comi, não deitei e, insone, e-s-p-e-r-e-i a primavera.
Fui escolhido, acordado, inchado e úmido.
Queria ter caído, mas fiquei preciso e desperto todos os dias de minha árvore.
Penso que, se ela fosse eu,
talvez teria escolhido lírios.
Os lírios não caem.
Murcham.
Não escolhem, encolhem.
Encobrem as folhas, onde estão as folhas,
que comem, deitam, dormem.
No outro outono, acordam, de novo, caídas.
A árvore, quando faz uma folha, ela me líria:
- Se fosse eu, teria escolhido você.

Maurici

terça-feira, 12 de maio de 2009

Uma célebre finta

Vestia sutiã e anágua de poliéster. Altiva, em salto de acrílico e casaco imitação de pêlo de minsky, objetivava brilhar. E no entanto, o longo colar de pérolas que pousava sobre seu cólo de bolas de basquete era de um amarelado industrial. Recostada sobre as almofadas da cama, percebeu que a espuma cedia. Ela suportava seu próprio peso com força abdominal. Olhou para o esforço romântico do marido e pensou: "Se fosse eu, teria escolhido lírios".

Gabriela Fonseca

Microcontos

OUTRA VIAGEM

A mala é bem grande,
mas não sei se cabem as pernas.

(Arthur Nestroviski)


QUANDO ACORDOU,
O DINOSSAURO AINDA ESTAVA LÁ.

(Augusto Monterroso )


Alí,deitada, divagou:
se fosse eu,
teria escolhido lírios.

(Adriana Falcão )

Depois de expulsá-los,
Deus morreu.

(André Laurentino)

Fonte: Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004